Sapatinhos de cerâmica


Sapaticos é uma linha de calçados de cerâmica produzidos pela artesã Maíra Andrade. Os saptinhos pode ser rústicos e/ ou pintados. Os rústicos absorvem essencia e servem como aromatizador de ambiente. Desenvolvemos, junto ao cliente, novos modelos e tamanhos. Vendemos em unidades ou em larga escala para lojas, lembrança de maternidades...

As flores de cerâmica tambem podem ser rústicas (que absorvem essencias) e pintadas. Trabalhamos tambem em pequena e larga escala. Desenvolvemos lindas caixas de madeira com flores para decoração.Trabalhamos também com lembrança de casamento e enfeite de festas.

A Arte do Fogo

A relação com a Terra

Por:Maíra Andrade
A partir de observações e do meu próprio contato com o barro, é possível afirmar que, ao olhar a matéria disforme, o artesão avista uma forma. Em um primeiro momento ele toca, sente, amassa, até que uma sutil imagem transpareça. A espera é essencial para que o início da obra se firme como tal. Neste momento parece não haver tempo; o homem e a matéria tornam-se um só.

O processo da cerâmica inicia-se no confronto do sujeito com a presença maciça do amorfo da terra, a matéria-prima mais bruta e sem organização entre as conhecidas pelo homem. Além de ser um material primitivo e, inicialmente, disforme, tem como propriedades sua plasticidade. “A matéria é o primeiro adversário do poeta da mão. Possui todas as multiplicidades do mundo hostil, do mundo a dominar” (SIMÕES, 1999, p. 40).

De acordo com Bernis (1987), ao tocar na argila o sentido que está em maior evidência é o táctil. O sujeito experimenta uma sensação advinda da modificação que sobrevém da periferia do corpo em conseqüência de excitações nos órgãos sensoriais acarretando uma mudança de estado de consciência.

A sinestesia é outro sentido presente no trabalho com o barro. Tal sentido resume-se como sendo a relação subjetiva que se estabelece espontaneamente entre uma percepção e outra. (A palavra "sinestesia" é de origem grega: "syn" (simultaneas) mais "aesthesis"(sensação), significando "muitas sensações simultâneas"). Tal sentido, muito presente na infância, atrofia-se com o passar do tempo, porém pode ser reativado em certas experiências. Manusear o barro e senti-lo de forma sinestésica é uma experiência que nos remete a um tempo anterior, infantil.

Sobre este aspecto Gouvêa (1992, p. 93) afirma que “[...] o sentido do tato e os movimentos dos músculos com e contra o movimento resistente, porém, flexível da argila, proporcionam um acesso, uma abertura para os lugares mais profundos”. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que no processo criativo as percepções inconscientes se comunicam com a mão do artista transformando-se em contornos.

Olhando mais de perto a relação do propósito do artista com a matéria-prima por ele escolhida, observa-se uma certa interdependência, tendo a intenção criativa íntima relação com a escolha da matéria. Pode-se pensar que a matéria é um dos disparadores da ação criativa, ou seja, que o barro é um dos elementos “instigadores” do processo criativo do ceramista.

1.2. As transformações da matéria durante o processo de produção da cerâmica



Bachelard (2001), em A Terra e os Devaneios da Vontade, convida-nos a compreender as categorias contrastantes das forças imaginantes da nossa mente: a imaginação formal e a imaginação material.

Resumidamente, a imaginação material, tributária principalmente da mão, é o embate entre as forças humanas e as forças naturais; o trabalho operante e criativo do homem frente às resistências da matéria.

Simões (1999) afirma que as experiências para Bachelard revelam-se, basicamente, como resistência à mão, uma mão comandada pela vontade de trabalhar e transformar. Nesse caso, as duas grandes funções psíquicas são justamente a imaginação e a vontade. A imaginação é ativa quando aparece e se desenvolve em um campo também ativo, isto é, em uma tensão atual entre objeto e sujeito.



A imaginação material vincula-se aos elementos fogo, o ar, a terra e a água, fontes inesgotáveis para os devaneios criadores, essências materiais recorrentes, substâncias elementares que alimentam a criatividade interminável da arte.

Para Bachelard (2001), na imaginação de cada um de nós existe a imagem material de uma massa ideal; uma perfeita síntese de resistência e de maleabilidade. Através deste estado de equilíbrio, originam-se os juízos do mole demais e do duro demais. Talvez esta posição sustente o fato do ceramista saber quando a massa está “pronta” para ser moldada.


A mão conhece o instinto da massa perfeita [...] Há uma maneira de apertar o punho para que nossa própria carne se revele como essa massa primordial, essa massa perfeita que resiste e cede ao mesmo tempo [...] Tudo me é massa, eu sou massa em mim mesmo, minha própria matéria é ação e paixão, sou verdadeiramente uma massa primordial (ibid., p. 64-65).
É possível observar que o autor fala de um envolvimento total, de uma entrega, enfim, de uma indiferenciação do corpo do amassador com a massa. Em tal experiência, os dois mal-estares inversos encontrariam seu apaziguamento, como o delírio da viscosidade e da secura.

Bachelard descreve como os dedos se alongam nessa maciez da massa perfeita, dedos com consciência. Para o ceramista, os olhos encontram-se nos dedos. São eles que controlam e percebem os excessos, as necessidades e o ponto ideal da massa. “A participação é tão total que mergulhar a mão na matéria certa é mergulhar nela todo o ser” (ibid., p. 67) . Creio que esta frase pode ser utilizada como umas das justificativas para a escolha da matéria por parte do artista. Além disso, compartilho da posição de que a matéria suave suaviza nossas cóleras. Mesmo na solidão de um trabalho “[...] a massa já nos apertou a mão” (ibid., p.68). O barro nos ensina a ter um toque suave e ao mesmo tempo suficiente para dar forma e sustentação para transformá-lo em uma obra.

Bachelard trata da modelagem em seus primeiros tateamentos, quando a matéria se revela como um convite para modelar, quando a mão sonhadora usufrui as primeiras pressões construtivas.

Após o primeiro contato com a massa disforme, o ceramista transforma o “grosso” da imagem inicial em forma sutil. Tal processo possui uma temporalidade indeterminada de resolução devido a uma espera imposta pelas leis da matéria. Neste momento, tempo e processo são fundamentais juntamente com as técnicas cerâmicas. A relação do artista com a matéria é ativa e interdependente. Ao construir a obra, o artista inaugura uma relação em que é, simultaneamente, criador e subalterno. Rea (2000) resume otimamente tal relação quando afirma que cabe ao artista despertar na matéria suas potencialidades, ouvir o que ela propõe. Por outro lado, a matéria precisa do olhar fecundador do artista, sem o qual permanece adormecida.

De acordo com Nakano (1989), o ceramista - embora inserido em um mundo de transformações - precisa saber conservar a maneira de cozer, a temperatura adequada, a preparação do material, para garantir a obtenção do produto final. Qualquer modificação, por menor que seja, pode alterar o produto e o trabalho de vários dias poderá ser reduzido a nada. Porém, a cada momento, o artista é impulsionado a modificar; cada forma acaba se desdobrando em outras, estando ele entre a necessidade de conservar e o impulso de inovar incessantemente.

É necessário esclarecer que qualquer tipo de realização envolve princípios de forma. Em Os Problemas da Estética, Pareyson define a arte em três tradições: fazer, conhecer e exprimir. Entretanto, a concepção que prevalece em sua obra relaciona-se com a idéia de Formatividade. Para este autor, a arte é expressiva enquanto forma, transparecendo a personalidade de seu autor, não em um sentido de denúncia, mas no sentido de que a obra é parte do sujeito, sendo que cada partícula é mais reveladora do que qualquer confissão direta.

O fazer característico da arte não se reduz a uma operosidade, de maneira que se possa dizer que “[...] a atividade artística consiste propriamente no formar, isto é, exatamente num executar, produzir e realizar que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir” (PAREYSON, 1997, p.32). Porém, a arte também é conhecimento, pois ensina uma nova maneira de olhar a realidade, inaugurando um novo sentido: “A arte é um conjunto de atos pelos quais se muda a forma, se transforma a matéria oferecida pela natureza e pela cultura” (BOSI, 1985, p.13). Diante desta afirmação, o autor pretende chamar a atenção para o diálogo com a matéria pelo qual o artista transforma a resistência de uma substância inerte nas condições de contorno que sugerem, ordenam e possibilitam sua ação formativa. Para este autor, a noção de matéria nesse contexto, diz respeito a tudo aquilo a que o artista recorre para concretização de sua obra.

Para Fayga Ostrower (2004), o fazer concreto diferencia-se de acordo com o caráter da matéria. O termo materialidade usado pela autora abrange não só alguma substância, mas, também, tudo o que é formado e transformado pelo homem. Sobre esta questão, Ostrower (ibid., p.32) acrescenta:
Cada materialidade abrange certas possibilidades de ação e outras tantas impossibilidades. Se as vemos como limitadores para o curso criador devem ser reconhecidas também como orientadoras, pois dentro das delimitações, através delas, é que surgem sugestões para se prosseguir um trabalho e mesmo ampliá-lo em direções novas.

Este trecho fala sobre uma imaginação criativa vinculada à especificidade de cada matéria utilizada pelo criador. Assim, o imaginar seria um pensar específico sobre o fazer concreto, sendo que para ser criativa a imaginação necessita identificar-se com uma materialidade.

No caso do barro, existem algumas limitações no que diz respeito à sua temporalidade. Tal matéria possui um tempo próprio de transformação, submetendo o artista às suas próprias leis. O artista deixa de ter o completo domínio sobre o barro. Se não houver tal submissão, a peça não suportará. Ela poderá, por exemplo, rachar ou estourar. Como coloca Pareyson (1997, p. 159): “[...] a matéria de arte tem uma constituição natural que o artista não pode, de modo algum, violar”. Portanto, para este autor, a criatividade está na união entre criar e submeter-se.

Sobre o formar Ostrower (2004, p. 51) acrescenta:
Todo processo de elaboração e desenvolvimento abrange um processo dinâmico de transformação em que a matéria, que orienta a ação criativa, é transformada pela mesma ação [...] ao seguir certos rumos a fim de configurar uma matéria, o próprio homem com isso se configura.
Ostrower conclui, portanto, que todos os processos criativos representam, na origem, tentativas de estruturação, de experimentação e de controle, ou seja, são processos produtivos onde o homem se descobre, onde ele próprio se articula à medida que passa a identificar-se com a matéria. São transferências simbólicas do homem à materialidade das coisas e que novamente são transferidas para si.

O processo de secagem é fundamental na confecção de peças de cerâmica. O barro, em seu estado amorfo, possibilita ao sujeito fazer, desfazer, bater, socar, retalhar, ou seja, manuseá-lo como desejar, desde que ainda esteja em seu estado original, com uma certa moleza e viscosidade.

No entanto, as imagens esculpidas pelo criador secam, momento em que não podem mais ser modificadas ou magicamente transformadas, tendo o sujeito que se haver com os dados da realidade, isto é, com a frustração ou com o êxito resultante de sua produção.

Colocar as peças no forno exige cuidado. Ao entrar em contato com altas temperaturas o barro transforma-se em cerâmica.
Posso dizer que uma escultura cerâmica minha entra moderna no forno e sai, depois de sucessivas queimas, com 10.000 anos. Coloca-se no limbo diante das chamas e surge prodigiosamente bela e purificada no paraíso. Mesmo o inesperado acidente faz lembrar sempre a força inelutável do fogo e, portanto, o que ele destruir ou vivificar são marcas do destino. O fogo devora a cor, que parece refugiar-se no núcleo da peça, “no coração da matéria”, sobrando um colorido enferrujado, turvo, opalescente, uma tonalidade de quarta-feira de cinzas, distinguindo apenas, aqui e ali, algumas flores cor-de-fogo. Os dentes da chama são implacáveis. (BRENNAND, http://www.brennand.com.br/).
A cerâmica é tão antiga quanto o fogo. O fogo é a prova final de todo o processo em que se aventura um ceramista. Os humores do ceramista, os ventos, a umidade, a estação, a qualidade e o estado da lenha e tantos outros fatores desconhecidos e pressentidos influem na queima, modificando o seu resultado. Uma certa dose de desilusão (abandono da viscosidade) vem acompanhado com a satisfação da obra final.

De acordo com Simões (1999), o tempo de cozimento é uma das durações mais circunstanciadas pois possui o princípio formal da individualidade.